Nos corredores: branco sujo, bege claro, penumbra não provocada - efeito de lugar sem luz. Do lado de dentro de cada porta: cores variadas, luz inteira, fachos de luz, luz de abajur, nada monocromáticas. A cidade do avesso das janelas só é adivinhada e descrita. As histórias me pinçam, os olhos e vozes que contam de si, verdadeiros e contraditórios, expostos às telas até sabe-se lá de que mundos, vindos de dentro de suas próprias casas.
Quem pode habitar cada espaço? Quem decide? Quem escolhe pelas limpezas, pelos critérios de limpeza, por haver critérios para limpeza, por haver limpeza?
O nojo pela sacola de falso dinheiro devolvido, mas guardada firmemente em lugar sabido, preenchido pelo pacotinho pardo de papéis amarelos sem valor, e o apego a ele tanto quanto à lembrança do medo.
De Lupicínio a Sinatra, as vozes que... Saudade I've lived a life that's full Não se esqueça também de dizer I traveled each and every highway Que é você quem me faz adormecer And more, much more than this Pra que eu viva em paz I did it my way... recuperam em mim os arrepios de ouvir música.
Mais de uma vez, menção a “se atirar pela janela”. Histórias concretizadas. Histórias interrompidas. Histórias desistidas, dependendo do ponto de vista.
Histórias que tornam-se naturais, ainda que o sorriso infantil só trabalhe embriagado.
Elevador. Quadrado transportador. Ouvido das paredes. Verticalidade em movimento contínuo, apinhamento das cidades. Para cima, cada vez mais canalizados, nós.
Olhos perdidos pronunciam um diagnóstico simples e óbvio, não sei se são pessoas demais ou calçadas muito estreitas, ou a fusão desagradável desses dois elementos - completada por outra voz, andar mais acima ou mais abaixo, não é a diversidade, é o número opressivo. E a imagem surrealista e nítida, reconhecível, conviver com a vida das outras pessoas entrando pelos vãos. Nem quero, mas espontaneamente vejo vidas como lavas, moldando-se à estreiteza das soleiras das portas, dos vazamentos das janelas, invadindo-se umas às outras, interferindo, participando. Quem sabe até convivendo, dissolvidas.
As estruturas iguais se repetem a cada andar, como cópias amontoadas, ou sobrepostas. A fôrma é a mesma; o tanto e o como se preenchem é que criam mundos absolutamente distintos. Moro em prédios desde que nasci e, vez ou outra, observava os espaços vizinhos com este pensamento. Eram tão outros lugares, ainda que as paredes se desenhassem iguais às minhas. Só as paredes. Quem cria o espaço, e o caracteriza, e o particulariza? Suas histórias o preenchem? Quanto tempo leva para dissolvê-las de seus locais de origem? Quantas histórias cada espaço habita?
(Cristina Ávila, a partir de Edifício Master, filme documentário de Eduardo Coutinho)
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