sexta-feira, 9 de julho de 2010

   
Algum vento, quase nada. Tropeços num corredor falsamente estreito, de próximas paredes imaginárias, enquanto a luz que vem de cima é de espaço infinito. Corredor revelado mais tarde tão diferente que não era o mesmo lugar. Rangido musicando forte, roubando outro qualquer. Rangido de novo, intermitente. Numa projeção imaginária, cinematográfica, em torno dele são estruturas abandonadas, sem preenchimento, vazadas de gente, vazadas de paredes, vazadas de matéria viva. O rangido denuncia as presenças. Sem ninguém, talvez deixe de existir. Pausa. Aos poucos quem está próximo começa a se diluir. Desaparece, mas fica a respiração. Estou sozinha ao lado da respiração de alguém. Rangido de novo. Queria mais vento e menos muros. Abrem-se os olhos. Uma imensidão quase sem cor, espaço preenchido por tanto desconhecido. Quais universos existem em cada janela? E são milhares, milhões, ou mais. Quadrados disformes, retalhos, rachaduras. Histórias escondidas nas esquinas invisíveis, nas multidões subterrâneas. Carros se movem em uníssono, mais lentos se vistos de cima. A visão do todo modifica a da proximidade. A cidade não termina nunca. Ao mesmo tempo, vista assim, quase cabe nos olhos. Quase cabe num quadro. Constrói-se em degraus. Sua dimensão é que não cabe no entendimento. Não tem ordem nem sentido, vem profusa e condensada. Parece conter uma beleza ressecada.

"A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo. Febre de meus adentros: as cidades e as gentes, soltas da memória, navegam para mim: terra onde nasci, filhos que fiz, homens e mulheres que me aumentaram a alma." (Eduardo Galeano)
  
(Cristina Ávila / visita da Cia. ao Condomínio Edifício Viadutos/SP)
                

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